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Foi para o deserto, vindo Deus sabe de onde, e vestiu um pedaço de pele de camelo e comia gafanhotos e clamava – porque os caminhos deviam ser endireitados para a chegada do Senhor.
E os homens lhe perguntavam o que deviam fazer – e ele ensinava. Degolaram-no, porém, porque sua boca pregava contra os escandalosos costumes – e dizem que circulou sua cabeça numa bandeja, entre mulheres histéricas de um velho festim.
"Raça de víboras..." tinha ele dito.
Pagãos e cristãos viram prodígios na sua data, que ficou sendo a mesma do solstício – isto é, quando o Sol parece imóvel, fazendo o dia maior daquele lado... E vieram as festas de fogo e luz: fogueiras no chão, e os homens pisavam no fogo sem se queimar, se estavam sem pecado – e puderam ver, sob uma luz mágica, tudo que ainda está para acontecer.
E vieram as festas de água, porque a água era o veículo do seu poder – e os rios e as fontes levaram as impurezas humanas, e os destinos apareceram escritos nas ondas.
Coisas estranhissímas foram vistas por toda parte: as plantas ficaram bentas, cheias de virtudes, os animais falaram, os homens se comunicaram com o mistério, e o que estava encantado se desencantou.
Tudo é possível, na noite de São João. Entre videntes e magos, os homens podem, nessa noite, organizar a família dos seus sonhos: casar, adotar filhos, irmãos, compadres, toda casta de parentes, tudo pela Lei de São João: "São João dormiu, São Pedro acordou – tu ficas sendo meu marido, que São João Mandou.
" Mas estará São João dormindo? As crianças dizem que está deitado no céu, com seu carneirinho branco como uma nuvem enrolada a seus pés, e nem ouve sua festa cá embaixo.
Mas esse é o São João das lapinhas, das capelinhas de melão, dos cravos, das rosas e do manjericão. O outro continua a chamar pelos desertos, a endireitar os caminhos de Deus, a dizer para os Tetrarcas: "Raça de víboras...", mas a murmurar para os Santos: "...eu não sou digno de desatar as correias dos vossos sapatos..."
– Cecília Meireles / publicado pela 1ª vez em "SELEÇÕES" de junho de 1958
E os homens lhe perguntavam o que deviam fazer – e ele ensinava. Degolaram-no, porém, porque sua boca pregava contra os escandalosos costumes – e dizem que circulou sua cabeça numa bandeja, entre mulheres histéricas de um velho festim.
"Raça de víboras..." tinha ele dito.
Pagãos e cristãos viram prodígios na sua data, que ficou sendo a mesma do solstício – isto é, quando o Sol parece imóvel, fazendo o dia maior daquele lado... E vieram as festas de fogo e luz: fogueiras no chão, e os homens pisavam no fogo sem se queimar, se estavam sem pecado – e puderam ver, sob uma luz mágica, tudo que ainda está para acontecer.
E vieram as festas de água, porque a água era o veículo do seu poder – e os rios e as fontes levaram as impurezas humanas, e os destinos apareceram escritos nas ondas.
Coisas estranhissímas foram vistas por toda parte: as plantas ficaram bentas, cheias de virtudes, os animais falaram, os homens se comunicaram com o mistério, e o que estava encantado se desencantou.
Tudo é possível, na noite de São João. Entre videntes e magos, os homens podem, nessa noite, organizar a família dos seus sonhos: casar, adotar filhos, irmãos, compadres, toda casta de parentes, tudo pela Lei de São João: "São João dormiu, São Pedro acordou – tu ficas sendo meu marido, que São João Mandou.
" Mas estará São João dormindo? As crianças dizem que está deitado no céu, com seu carneirinho branco como uma nuvem enrolada a seus pés, e nem ouve sua festa cá embaixo.
Mas esse é o São João das lapinhas, das capelinhas de melão, dos cravos, das rosas e do manjericão. O outro continua a chamar pelos desertos, a endireitar os caminhos de Deus, a dizer para os Tetrarcas: "Raça de víboras...", mas a murmurar para os Santos: "...eu não sou digno de desatar as correias dos vossos sapatos..."
– Cecília Meireles / publicado pela 1ª vez em "SELEÇÕES" de junho de 1958
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