– Como o senhor se chama?
– João.
– João de que?
– João de Deus.
Era assim que ele se apresentava e era o nome perfeito para ele.
João de Deus era um andarilho que uma vez ao ano passava pelo nosso sítio em Altinópolis. Trocava raízes e ervas medicinais por rapadura, café, sal, arroz, pinga e outros gêneros de primeira necessidade.
Tudo que ganhava era repartido meio a meio com seu companheiro de jornada que era um jumentinho no qual nunca cavalgou, ia sempre ao lado dele que levava dois sacos bem leves com as ervas, raízes e algumas latas a serem usadas como panelas.
João de Deus vivia em sintonia com a natureza, dormia no mato quando o tempo estava bom ou procurava abrigo no curral de alguma fazenda.
Nunca aceitou dormir no paiol ou outro lugar melhor, que fosse fechado.
Tinha que dormir em local onde pudesse fazer uma fogueirinha para cozinhar sua comida e fazer os seus chás.
João de Deus visitou nosso sítio por muitos anos mas só me lembro de duas ou três visitas pois quando fiz oito anos foi o ano em que ele adoeceu e meu pai, o Cidonio, foi à cidade chamar o médico, Dr. Alberto, e o farmacêutico Sr. Célio.
Não houve meio de convencê-lo a ir para de seu jumento.
O médico receitou algumas injeções que o precavido farmacêutico já tinha em sua maleta.
Meu pai ficou encarregado de aplicar as injeções pois já fazia isto para toda a redondeza e era experiente na tarefa.
Na primeira tentativa a agulha da injeção entortou e não entrou na grossa carapaça do braço de João de Deus que só via água quando chovia.
Foi necessário apelar para uma grossa agulha de aplicar injeção no gado e é claro que doeu bastante.
Nesta madrugada João de Deus foi-se embora com seu jumento e nunca mais o vimos ou soubemos se havia sarado ou morrido.
Naquela noite, após o médico ter ido embora, enquanto meu pai fervia a seringa, João de Deus me contou que certa vez ficou seis semanas de cama, com muita febre, em uma fazenda abandonada.
– Mas e como você não morreu de fome e sede ? Perguntei-lhe.
– Olha menino, Deus é grande e cuida dos seus.
A minha sorte é que nunca amarro meu jumento e ele pegava uma lata nos dentes e ira buscar água para mim em um córrego próximo.
– Mas e a comida João de Deus, não me diga que o jumento cozinhava para você?
– Não, é claro que não, eu nunca deixei ele lidar com fogo!
– A última alma bondosa que lá morou deixou umas galinhas prá trás, as galinhas foram aumentando e tinha bem umas vinte ou trinta.
Eu nunca tinha visto um bando de galinha tão inteligente!
Elas foram se aproximando da minha cama improvisada, acho que prá comer os pernilongão que vinham chupar meu sangue e mais pareciam aqueles lava bunda que ficam sobre as poças de água, de tão grandes.
Depois de comer bastante a galinhada se ajeitava nos meu pé e botava os ovos, era cerca de duzia e meia por dia.
Elas eram tão espertas que depois de botar saiam bem quietinhas prá não me acordar e só iam cantar quando chegavam bem longe no terreiro.
– Mas então você ficou este tempo todo comendo ovo crú ?
– Não, a febre realmente era forte demais, eu pegava e punha um ovo em cada suvaco.
Um minuto e comia ovo quente, dois minutos e comia ovo cozido!
– Eu até engordei uns quilos!
Esta foi a última prosa que tive com esta magnífica pessoa perfeitamente integrada na natureza.
Nunca me esquecerei dele.
– Ebook "Causos" / Autor: Marcos S. R. Cabete - http://ebooksbrasil.org/
– João.
– João de que?
– João de Deus.
Era assim que ele se apresentava e era o nome perfeito para ele.
João de Deus era um andarilho que uma vez ao ano passava pelo nosso sítio em Altinópolis. Trocava raízes e ervas medicinais por rapadura, café, sal, arroz, pinga e outros gêneros de primeira necessidade.
Tudo que ganhava era repartido meio a meio com seu companheiro de jornada que era um jumentinho no qual nunca cavalgou, ia sempre ao lado dele que levava dois sacos bem leves com as ervas, raízes e algumas latas a serem usadas como panelas.
João de Deus vivia em sintonia com a natureza, dormia no mato quando o tempo estava bom ou procurava abrigo no curral de alguma fazenda.
Nunca aceitou dormir no paiol ou outro lugar melhor, que fosse fechado.
Tinha que dormir em local onde pudesse fazer uma fogueirinha para cozinhar sua comida e fazer os seus chás.
João de Deus visitou nosso sítio por muitos anos mas só me lembro de duas ou três visitas pois quando fiz oito anos foi o ano em que ele adoeceu e meu pai, o Cidonio, foi à cidade chamar o médico, Dr. Alberto, e o farmacêutico Sr. Célio.
Não houve meio de convencê-lo a ir para de seu jumento.
O médico receitou algumas injeções que o precavido farmacêutico já tinha em sua maleta.
Meu pai ficou encarregado de aplicar as injeções pois já fazia isto para toda a redondeza e era experiente na tarefa.
Na primeira tentativa a agulha da injeção entortou e não entrou na grossa carapaça do braço de João de Deus que só via água quando chovia.
Foi necessário apelar para uma grossa agulha de aplicar injeção no gado e é claro que doeu bastante.
Nesta madrugada João de Deus foi-se embora com seu jumento e nunca mais o vimos ou soubemos se havia sarado ou morrido.
Naquela noite, após o médico ter ido embora, enquanto meu pai fervia a seringa, João de Deus me contou que certa vez ficou seis semanas de cama, com muita febre, em uma fazenda abandonada.
– Mas e como você não morreu de fome e sede ? Perguntei-lhe.
– Olha menino, Deus é grande e cuida dos seus.
A minha sorte é que nunca amarro meu jumento e ele pegava uma lata nos dentes e ira buscar água para mim em um córrego próximo.
– Mas e a comida João de Deus, não me diga que o jumento cozinhava para você?
– Não, é claro que não, eu nunca deixei ele lidar com fogo!
– A última alma bondosa que lá morou deixou umas galinhas prá trás, as galinhas foram aumentando e tinha bem umas vinte ou trinta.
Eu nunca tinha visto um bando de galinha tão inteligente!
Elas foram se aproximando da minha cama improvisada, acho que prá comer os pernilongão que vinham chupar meu sangue e mais pareciam aqueles lava bunda que ficam sobre as poças de água, de tão grandes.
Depois de comer bastante a galinhada se ajeitava nos meu pé e botava os ovos, era cerca de duzia e meia por dia.
Elas eram tão espertas que depois de botar saiam bem quietinhas prá não me acordar e só iam cantar quando chegavam bem longe no terreiro.
– Mas então você ficou este tempo todo comendo ovo crú ?
– Não, a febre realmente era forte demais, eu pegava e punha um ovo em cada suvaco.
Um minuto e comia ovo quente, dois minutos e comia ovo cozido!
– Eu até engordei uns quilos!
Esta foi a última prosa que tive com esta magnífica pessoa perfeitamente integrada na natureza.
Nunca me esquecerei dele.
– Ebook "Causos" / Autor: Marcos S. R. Cabete - http://ebooksbrasil.org/
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